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terça-feira, maio 07, 2013

O livro dos dias (ou o fim da estrada)


Nunca, nunca não!

Eis o outono que amanhece com chuva e céu de gris nesta segunda-feira. Estamos em MAIO e aqui se encerra uma linda história que começou no fim de janeiro. É o que posso chamar de minha vida como torcedor – e, surpreendentemente, cronista – na estrada. Por conta dos acontecimentos envolvendo o Maracanã e o Engenhão, o Fluminense fez moradas em Moça Bonita, São Januário e Raulino de Oliveira – este, a verdadeira e grandiosa estrada, com flores pelo caminho.

Não tenho do que me queixar. Tenho vivido momentos sensacionais ao lado de novos e queridos amigos, mais velhos amigos de sempre, por conta deste sentimento interminável pelo Fluminense. Uma coisa é você dar um abraço num camarada no bar favorito da esquina; outra é fazer o mesmo a duzentos quilômetros de casa. São sabores diferentes. Quase cem dias num ir e vir que significou tudo.

Perdi um campeonato. Mas não saí derrotado de forma alguma. Novos campeonatos virão.

Chorei algumas vezes. Fui muito feliz em outras. Não é hora de lamuriar. Sou um velho, não posso perder tempo com isso. Cada segundo meu é um ano, tenho pouco tempo.

Estreamos em São Januário naquele janeiro e, horas depois, lá estava eu a caçoar do querido Jorge Nunes na televisão. Depois, como foi bom e eterno ver Juliana com seus olhos de ágata naquela tarde de chuva em Bangu! Ver Isabel, oh! Marina. As meninas da Carla atendendo tão bem o Caldeira na roleta. As outras garotas lindas cantando junto dos perturbados no fundo de cada ônibus de caravana. As bandeiras, os sorrisos. Cada uma das procissões a Volta Redonda teve um sabor especial. Viver o Fluminense na estrada é muito, mas muito diferente de apenas espiar pela internet ou ligar o aparelho de televisão – sem vivenciar essa experiência, é impossível entendê-la, no máximo admirá-la. São outras palavras. Muitas e muitas vezes eu viajei pelos caminhos afora, mas não com a volúpia de 2013, onde o nosso time parecia seguir o texto de Bob Dylan: fugiu de casa para nunca mais voltar e então o perseguimos com tudo.

Sofri amores impossíveis em vão, conheci uma garota linda, meiga e doce que tem um narizinho lindo. Às vezes ela é brava também. Já gosto dela como se tivessem passado dez anos. Sou um lunático. Na verdade sou um monstro inexplicável.

Passei mais de trinta dias sem dormir direito – o que talvez continue – por diversos fatores – e em todos eles eu tive medo da morte pela primeira vez em toda a minha vida. Quero dizer, da minha morte, uma vez que minha vida é uma completa inutilidade. Mas acontece que me enganei e isso é bom: gosto de errar um pouco, isso me faz lembrar de que sou muito humano. Quem não erra não é digno de confiança porque mente. Quem não erra não se entrega, não arrisca e não vive: apenas passa o tempo.

Eu e meus amigos cronistas chegamos muitas vezes ao estádio e pessoas que não conhecíamos vinham nos cumprimentar e abraçar: “Oi, Panoramas”. Rimos muito disso e nos divertimos. Acreditamos até o fim, não porque somos loucos apaixonados – sim, somos! – mas porque torcer pelo Fluminense exige um sentimento de crença irrefutável, uma vez que toda a história do nosso time foi escrita sob as bandeiras da desconfiança alheia.

Uma pena que tenha chegado o fim dessa estrada. Eu achei que estivéssemos em pelo voo no asfalto. Mas não me arrependo de nada e, se tivesse que fazer tudo outra vez, com todos os erros, cicatrizes e dissabores, não mudaria uma vírgula. Afinal, eu estou do lado daqueles cujos corações são granadas sem pino, são fogos de artifício que explodem nos céus do ano novo. O que é feito com amor pode ser até desprezado, mas ninguém derruba.

Chegou o fim da estrada.

Se eu dissesse que não estou chorando e triste agora, seria uma mentira deslavada. Não posso me dar a tais luxos. O fim da estrada não era nada do que eu pensava encontrar. Mas não foi em vão. A estrada termina aqui, mas não a vida. Depois de um dia de chuva no outono, o sol sempre aparece. Seremos sangue a correr em outras veias de asfalto.

O campo

Nosso jogo começou no sábado. O samba do Caldeira durou doze horas, acho. Brincamos de talibãs e só os idiotas nos condenaram. Depois, duas garotas espetaculares nos acompanharam num chope, ele foi merecidamente muito mais feliz do que eu, não tirei os olhos daquele narizinho lindo à frente, a vida seguiu. Penduramos um violão na sala de minha casa, ele capotou como nunca, eu fui um viajante solitário escrevendo na madrugada – dormi depois, acordei antes, tomamos um glorioso café da manhã na Ubaldino do Amaral e depois fomos encontrar os fiéis no Maracanã. Éramos um comboio de abandonados, mas, ao mesmo tempo, juntamos nossas forças para buscar um amor de Madredeus, o amor pelo Fluminense.

Não houve um momento em que eu olhasse ontem para o gramado e visse: “Oh, vamos reagir e ganhar essa taça de qualquer maneira”, ainda que corrêssemos muito e lutássemos. A tabuada era toda botafoguense, eu só discordava do pré-campeonato enaltecido nos jornais. Até começamos bem, o jogo foi muito brigado, mas depois o Botafogo administrou as coisas de tal forma que seu gol  - no finalzinho do primeiro tempo – só ratificou o cenário que já lhe favorecia e que prevaleceu no resto da partida. Rafael Marques, tantas vezes criticado, foi o herói. Sim, para muitos tivemos uma boa atuação e não rechaço essa tese em parte. Mas pergunto: como fazer gols sem um atacante de ofício, mesmo com tantas chances? Como jogar tão bem falhando num momento decisivo? O preço de poupar Sobis foi caro. Longe de mim qualquer cornetagem abominável, menos ainda “apontar culpados” – uma sonora bobagem – mas entendo que num momento de decisão não pode haver poupança de nada. E para aqueles da nossa torcida que subestimam o Carioca, fica minha pergunta: não sentiram nada quando os alvinegros celebravam a conquista minutos antes do fim? Eu senti. Perdoem-me pela opinião: eu não me poupo de nada. Bom, Jefferson e Cavalieri trabalharam muito bem. Foi uma boa briga. No fim, Seedorf, herói da estrela, perdeu o pênalti mas o título já era deles antes, bem antes.

Sim, nosso time estava com a cabeça nas outras nuvens ainda que agredisse e buscasse a vitória. A própria escalação dizia isso. Talvez por conta do sentido figurado em ser apaixonado por duas mulheres: ou você opta pela felicidade com uma ou talvez fique sem nenhuma. Aqui – e somente aqui! – a bigamia seria ideal para mim: ainda tenho o sonho de criança em ver o Fluminense ganhando tudo, mesmo sabendo que isso é impossível. Os sonhos estão aí para isso: adoçar realidades.

Perder um campeonato não é vergonha. Desde o começo, a verdade é que o Botafogo sempre esteve mais focado e preciso do que nós. Eu queria muito este campeonato, muito, mas o perdi para sempre. De resto, apenas aplaudir a felicidade de meus amigos da outra arquibancada: Simonard, Guilhon, Ivalski. Tatiana, que eu tanto amei um dia. Eles foram felizes, eles foram melhores. Justiça é fundamental.

Fim (?)

Depois de cruzar a Rio-São Paulo, jantar no bar do Carlinhos, rir com Carla e deixar um narizinho lindo – com dedicatória – em casa num bairro ao lado, voltei ao ponto de reunião: o coração dilatado da Cruz Vermelha.

O negrume da noite só oferecia um único ponto luminoso no céu: uma linda e solitária estrela, que muito admirei. Meu coração a aplaudiu. Faz todo sentido. A dignidade de um homem está na maneira como encara e absorve as derrotas.

O fim da estrada não era nada do que eu pensava encontrar. Mas fui feliz de alguma forma, acho.

Foram milhas e milhas e laudas e cartas atrás do meu amor. A vida não é em vão. Meses de esperança, paixão e um irremediável bem-querer que só viveu quem esteve junto, eu não tenho como explicar em palavras.

Essa estrada terminou. Ela disse adeus. Nunca mais vamos nos encontrar. Algumas coisas ficarão definitivamente para trás – outras, não. Entretanto, quarta-feira, temos uma nova missão difícil e – quem sabe? – o que hoje parece o fim na verdade pode ser o começo. Seria uma contradição? Sim, mas a única coisa realmente importante no homem é a contradição, segundo as lições do grande artista Enrico Bianco.

Pensando bem, se não chegamos sequer à Lua e nem ao outro lado do mundo, essa estrada pode ter até acabado. E acabou mesmo. Mas a história não.

Paulo-Roberto Andel

Cronista gentilmente cedido por http://www.panoramatricolor.com 

@pauloandel

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