Por: Luiz Alberto Couceiro
Pela primeira vez estou escrevendo nesse blog
tendo como inspiração uma partida do Fluminense. Quer dizer... inspiração
literária, porque trata-se de mais um espetáculo da chatice pragmática
futebolística. Não há beleza para os meus padrões estéticos no que estou
assistindo, e nem jogada alguma – ao menos nesse primeiro tempo – que me sirva
de musa. Por que, então, resolvi fazer isso? Por que escrever algo
interessante, ou que eu queira que o possa ser para alguém, a partir de um
evento que promete ser esteticamente tão desinteressante?
Resolvi que iria me confrontar com aquilo que
mais vem me dando sono nos últimos meses, isto é, com raras exceções: jogos de
futebol. Adoro o Fluminense porque me constituí como indivíduo, minha
subjetividade, grande parte de meus afetos, através de referências diretas e
indiretas ao clube, aos times e à pessoas que o tinham como paixão e que
cruzaram minha vida. E aí vem um segundo
dilema: o do tédio quase que insuportável de ver esses jogos com o meu desejo
de ver o time do Flu, seja ele qual for, em que época for, vencer e, se
possível, ser campeão. Trata-se de um desconforto emocional enorme, que me
angustia demais. Escrever ao leitor simultaneamente a essa situação é a nova
experiência pela qual, nesse momento, me dei ao direito de passar. Contudo,
mais do que o simples direito, que seria uma regra moral autocentrada, estou me
referindo a uma oportunidade de um pequeno enfrentamento existencial de um de
meus pesadelos em forma de um texto escrito e que eu sei muito bem que será
publicado. Verei todo o jogo, e procurarei dançar com meus sentimentos, ora
sendo conduzido por eles, ora os conduzindo.
O primeiro tempo termina com a vitória parcial
do Flu. Uma única tabela, nada complexa, previsível até, entre dois jogadores
com bons recursos técnicos: Rafael Sóbis e Carlinhos. Jogada rara já seria envolvendo-os com
qualquer outro de nossos jogadores, quanto mais rara ainda sendo feita entre
eles dois. Não têm velocidade, isso já sei. Sóbis por causa de uma contusão
que, disse ele em entrevistas, o fez pensar que jamais voltaria a jogar
futebol. Carlinhos porque não a tem mesmo – seja na parte ofensiva ou na
marcação aos adversários. Constantemente é ultrapassado sem oferecer grandes
resistências. A virada de jogo que deu origem a essa tabela inédita
possibilitou ao nosso lateral algumas boas oportunidades para jogar. O campo
estava muito aberto. Que bom que chutou com calma, sem afobação.
Logo nos primeiros minutos do segundo tempo,
Thiago Neves perde um gol ridículo, na minha avaliação por pura falta de
vontade de fazê-lo. Não digo que ele fez isso de propósito, nada disso. Mas a
maneira que se posicionou, que bateu na bola, quase em cima do goleiro do
Arsenal, optando pelo pior modo de chutar – pé mole, sem mira. Enquanto escrevo
isso, novamente esse jogador age como se estivesse com tudo, menos desejo de fazer um gol nessa partida. Dessa
vez, demorou a fazer o arremate, já prejudicado pelo mau domínio da bola. Neves
sabe jogar bola, tem controle dos fundamentos diversos do futebol, contudo não
os está utilizando. Pelo incrível que possa parecer, Carlinhos demonstrou ter
mais capricho do que Neves no arremate – tranquilo e certeiro.
Aos 14 minutos do jogo, o Flu encontra muitos
espaços deixados pelo time reserva do Arsenal. Somos os nossos únicos
adversários em campo, perdendo dois gols com o mesmo habilidoso jogador,
errando passes fáceis no meio-de-campo, básicos, cortando bolas de maneira equivocada
– como acabou de fazer o nosso apático lateral Bruno, eternamente se adaptando
ao futebol carioca. A bola zunida pelo argentino mostra o quanto falta
categoria ao time de Sarandí. De tanto insistir, pedir, até, o Arsenal veio
para o nosso campo. Falta no desajeitado Blanco, quase na risca da área. Pela
segunda vez, Diego Cavallieri é exigido. Nosso time não quer jogar bem, claro,
mais uma vez, mas quer tomar sufoco, pressão, até mesmo um gol.
O jogo não melhora, não me inspira, meus dedos
se esforçam para colocar no papel as poucas palavras que meu angustiado cérebro
emite. O Arsenal só joga quando o Flu erra fundamentos básicos. Aos 33 minutos
do segundo tempo, o time está acuado, aliás, recua e temos mais uma falta perto
da grande área. Ver o jogo está muito difícil, chato, e não durmo porque
escrevo essas linhas. Meu dilema está sendo enfrentado, com sofrimento e
tristeza. São diversos os motivos. Um deles é que não reconheço esse time como
sendo, jogando tal como, um time do Fluminense.
O gol do Arsenal acontece, um gol que parece ter
vindo de um filme de comédia. Saída de gol mal feita por Cavallieri, sua grande
fraqueza, o jogador argentino cabeceia, e, quando se dá conta, olha que ainda
pode fazer o gol. E o faz. Agora... o Flu é o segundo do grupo e não mais o
primeiro do campeonato.
Lanzini, com pouco tempo para fazer mais do que
duas ou três jogadas, se aquece. Pênalti para o Flu! Emoção para quem quer ver
o time vencer, sempre! Mais uma jogada de Sóbis, um passe perfeito de um
jogador que não pode mais contar com a cumplicidade entre a velocidade de seu
pensamento e a de suas pernas em campo. Isso tudo não torna o jogo melhor.
Goleiro expulso, jogador de linha do Arsenal vai pro gol. Neves perderá mais um
gol? Sim. Ele conseguiu. Sem força, sem espírito de querer fazer gol nem de
pênalti. Abel mandou ele bater. Então os dois perderam o lance. E o meu
conflito existencial aumenta, porque eu desejo que meu time vença, mesmo sem
que eu tenha há meses a esperança de que vá jogar bem. O time se quer consegue
ter a posse de bola. Perda de tempo ver jogo do Flu? Desse time do Flu?
Não como torcedor, mas sim como amante do
futebol bonito para os meus parâmetros. Mesmo jogando todo confuso, o Flu
continua com a sina de surpreender a todos e vence mais um jogo que, para
muitos times, poderia parecer estar perdido. Gol de Rafael Moura, de peixinho,
depois de ótimo passe de Deco para Lanzini e um cruzamento açucarado do nosso
argentino noviço. Ele não precisou de duas ou três, mas somente de uma jogada
para ajudar a decidir o jogo e a classificação máxima da primeira fase da
Libertadores. Enfrentaremos o Emelec, embalado pela sua heroica classificação.
Até quando, fora o jogo contra o Vasco e o da
Bombonera, teremos nosso time jogando tão mal e até sem vontade de vencer, no
caso de alguns jogadores, isso eu não sei. Até quando seremos obrigados a
torcer por jogadas inspiradas de Deco, Lanzini, uma ou outra de Sóbis e a visão
de jogo de Fred – ausente hoje – também não sei. Mesmo sem ter algum padrão de
jogo e, fora a falta frontal cobrada por Deco para a área adversária, jogadas ensaiadas, certamente fruto do modo
de Abel trabalhar, os nossos jogadores não podem, eles mesmos, se organizar em
campo, errar menos passes, procurar tabelas, chutar com mais mira, perdendo
menos gols? Contra o Vasco, no 3x1, foi um festival de gols perdidos que quase
complicaram nossa vida, nosso título.
Fico feliz com a nossa vitória, triste pelo que
acabei de ver, mais um jogo feio. Nada inspirador. Um desafio. Mais uma sofrida
vitória de um time que não desiste jamais de vencer e de ser campeão. Alegria
minha, também, não por ter resolvido meu dilema, mas pela minha pequena
existencial. Enfrentá-lo sem rodeios já foi um passo para resolvê-lo.
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