Por Luiz Alberto Couceiro
Quando comecei a acompanhar futebol tinha como foco, não sei bem o
porquê, as jogadas pelas “beiradas” do campo. Não as chamava de laterais do
gramado. Era algo lúdico ver, em curto espaço de grama, jogadores passarem
pelos adversários com diversas formas de dribles e perspicazes trocas de passes
curtos, as falecidas tabelinhas. Eu percebia que havia dois jogadores em cada
lado do campo, de cada escalação dos times que se confrontavam: um chamado de
lateral e o outro de ponteiro. Assim eu fui compondo meu universo mental de
observar o futebol, gostando cada vez mais, fazendo todo o sentido nas noites
de segunda-feira ver Jô Soares, em um de seus diversos personagens, pedir, aos
gritos, pelo telefone para que Telê Santana, às vésperas da Copa do Mundo de
1986, colocasse pontas no time. “Bota ponta, Telê!”
Com o passar do tempo, fui vendo que, em termos de estratégia de jogo,
era interessante ter pontas e laterais fazendo ultrapassagens no ataque e
também voltando para marcar em sua defesa. Utilizando essa forma de jogar, os
times poderiam esticar a equipe contrária com inversões de jogo com passes de maiores
angulações e sempre ameaçando uma ida à linha de fundo pela direita e pela
esquerda. Os defensores e até mesmo os meio-campistas recuavam diante dessa
ofensividade, através da qual o ataque era a melhor forma de se defender
acuando os jogadores do time contrário em seu próprio campo. Diminuíam-se,
também, os espaços para que saísse jogando com alguma tranquilidade.
Naqueles anos, ainda se podia recuar a bola para o goleiro que ficava
perdido para onde a chutaria em ocasiões desse tipo, com esse desenho tático
contra seu time. Por sua vez, as retaguardas não podiam bobear diante de ameaças
rápidas, eficazes e letais aos seus goleiros. Não me lembro de ver muitos
cruzamentos que não viessem da linha de fundo, pegando atacantes de frente para
o gol, em velocidade, sem ter que frear para o arremate, e também com os
defensores de costas para eles.
Os pontas, ou ponteiros, e os laterais poderiam “entrar em facão”, isto
é, em linhas diagonais, ao encontro de uma bola bem lançada, por trás dos
zagueiros. Em outras ocasiões, essa tática poderia gerar penalidades máximas
porque o tempo do ataque era mais rápido do que o da defesa. Isso ocorria, e
ainda ocorre, pelo fato de os jogadores de defesa, com rara exceções, no
Brasil, sistematicamente serem escolhidos e treinados desde as divisões de base
dos clubes dentre os que possuem menor velocidade e explosão.
Mas... andei pensando que em certo sentido nada do que estou escrevendo
sobre essa configuração de times de futebol faça eco no olhar de quem nasceu na
década de 1990. Talvez se quer reconheçam ou imaginem o que estou falando aqui.
Um dos grandes pontas, Renato Gaúcho, não jogava mais nessa posição quando
fomos campeões cariocas em 1995. Era um atacante, mas não um ponteiro
insinuante e imprevisível, repleto de arranjos de última hora. Não poucas
vezes, tanto na seleção brasileira quanto no Grêmio, Ronaldinho Gaúcho ser
colocado para jogar ali, perto do final do campo adversário. Valdeir e Donizete
se revezavam com Renato no time do Botafogo nas jogadas pelos lados do campo.
Mesmo em final de carreira, Mauricinho ainda fazia jus a sua fama de ótimo
ponteiro direito. No Vasco, tinha o lateral Paulo Roberto para auxiliá-lo,
jogador inteligente, campeão mundial interclubes, conhecido por sua precisão em
cruzamentos da intermediária. O que era sua especialidade, sua marca
registrada, nos anos 1980 e primeira-metade dos 1990, passou a ser a regra em
todos os jogos. Pena que sem a sua pontaria.
Ontem, mais uma vez, o futebol pragmático do atual time do Flu jogou
para conseguir os três pontos sem estética alguma. É como se eu estivesse vendo
a frase o tempo inteiro na minha frente: “Estética é coisa para os fracos!” Não
foi divertido ver o jogo, e nem o teria sido se jogando da forma que jogou
tivesse vencido. Poderíamos fazer bainha das laterais do campo que não fariam
falta a ninguém ali. O Boca Jrs. afunilou o jogo, colocando todos os seus
jogadores no centro do gramado. Pareciam saber que nosso time, mesmo que de
quando em vez colocasse a bola para os e as laterais, não demoraria muito a
volta-la para o meio do campo ou para a defesa. Mais parecia um jogo de pinball
quando nossos jogadores tentavam furar o bloqueio adversário quase que na
marra, passando por dentro dos argentinos. Tudo muito chato e previsível, ou
seja, nenhuma novidade. Didi dizia, quando treinava o Flu, nos anos 1970, que
procurava fazer com que habilidosos meninos como Mário Sérgio entendessem que
“futebol é no jeito, e não na força”.
Sem pontas, que time algum mais procura usar, exceto o Time de
Guerreiros de Cuca, com Maicon, não se consegue mais, ao meu ver, mudar o
panorama das defesas retrancadas. Não estou levando em conta que sejam
possíveis tabelas com velozes laterais, porque há algum tempo nosso futebol não
conta mais com esse perfil de jogador. Os laterais, em larga medida, parecem
mais zagueiros com menor estatura. Roberto Carlos, com todo o seu mérito de ser
um exemplo do futebol anos 1990, deveria algum dia, mesmo aposentado, ser
levado à linha de fundo e apresentado a ela. E quando apareceu, nos últimos 15
anos, um jogador que sabia fazer essas tabelinhas e jogadas de maior resultado
e efeito positivos, logo, logo, foi deslocado para o meio-de-campo – como foi o
caso de Felipe.
Alguma novidade? Culpa de Abel pela derrota de ontem? Não, de forma
alguma! O jogo de ontem foi, dentre outras coisas ruins, ao menos para meus
olhos, uma amostra de que pontas e laterais, jogadas pelas beiradas e linhas de
fundo do campo, foram assassinadas, mortas e enterradas, no País, sem que a
opinião de torcedores fosse percebida por quem dirige os times e os clubes. Mas
não vem sendo sempre assim?
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