O neoboquirroto

" Na verdade estou de saco cheio dessas reclamações. Temos jogos constantes e o pessoal ainda reclama. Esse tal de Fred veio aqui e disse que nosso campo é aquilo que todos já sabem. Talvez ele peça para o presidente do clube dele fazer um estádio para eles. Que vá jogar em Wembley ou no Aterro do Flamengo. Se não tem estádio, o problema é deles".

A declaração acima poderia partir de um torcedor comum, talvez exaltado por conta da eterna reclamação dos clubes cariocas pelo fato do Botafogo – dentro da lei, ressalte – deter a concessão do único estádio de grande porte na cidade do Rio de Janeiro atualmente, o Engenhão. Poderia ser de alguém que talvez tivesse bebido em excesso algumas cervejas e se exaltado. Coisa de torcedor, não de dirigente.

Mas não. Trata-se de pronunciamento público do presidente do Botafogo, Maurício Assumpção, em réplica às críticas de Fred sobre o gramado do estádio. A declaração, como se espera de quem foge do debate, trata de ofensas ao Fluminense em vez de pontuar o debate na questão inicialmente abordada, modelo típico de pensamentos autoritários. Verborragia barata e sem função.

O Engenhão sem a presença dos dois grandes clubes que não possuem estádios no futebol carioca é simplesmente nada além de um grande elefante-branco. Ah, sim, é bom que se diga: o Botafogo não construiu estádio algum – tão-somente, beneficiou-se do dinheiro público gasto nos Jogos Panamericanos de 2007 e, sozinho, ficou com o Engenhão – o Vasco tem São Januário, Fluminense e Flamengo tinham o Maracanã, estádio mais adequado para comportar o tamanho de suas torcidas. E hoje o clube alvinegro paga módico aluguel por uma concessão mais que decenal – assim não fosse, não teria estádio algum e talvez precisasse colocar estruturas tubulares para jogar em Caio Martins (outra concessão...) tal como fez em 2003.

A afirmativa do presidente Assumpção torna-se ainda mais risível quando se elenca o rol de problemas do Engenhão, conhecidos de todos os torcedores – ou alguém nunca viu a água enferrujada que sai de suas bicas d’água nos banheiros? Ou ninguém nunca viu que os placares centrais estão desligados há meses e JAMAIS funcionaram com todas as luminárias perfeitamente? Ou que no telão do estádio um quadrado fez parte por cima de qualquer expressão gráfica durante anos? Ou que gramado é uma verdadeira porcaria, onde qualquer lance dividido levanta um quilo de areia para o alto? Quem recebeu a concessão deveria cuidar disso, mas parece que o descaso é evidente. Pior ainda é utilizar a pompa de “dono” do Engenhão (leia-se locatário) para malversar o Fluminense. Senhor Assumpção, faça-me o favor: quando éramos jovens o seu time dava calote na pensão da dona Carlota! Naqueles tempos, cantávamos de 1 a 14, 15, 16, 17 e o senhor ficava em silêncio no outro lado da arquibancada. O que é ter um estádio diante de ter um quinto da existência registrado num livro em branco?

Assumpção deve estar esquecido que, por conta de negócios nefastos de uma minoria, contrários aos interesses botafoguenses nos anos 70, General Severiano foi demolido e o clube passou a mandar seus jogos em Marechal Hermes – o que custou bem caro: 21 anos sem títulos e 15 anos sem sequer disputar um turno no campeonato estadual. Mas nada disso faz do Botafogo um time menor, ao contrário de muitas piadas e brincadeiras naturais entre torcedores de futebol. Trata-se somente da história, do que efetivamente aconteceu.

Não há dúvidas de que o Fluminense precisa de um novo estádio – e também do Maracanã, pois este é que comporta sua torcida. Movimentos já começaram, há projetos, uma grande discussão política à frente, existe um futuro. E o Maracanã, apesar de que nunca mais será o mesmo, ainda que fique bonito, estará à disposição dos grandes clubes do futebol carioca e brasileiro.

Assumpção, como presidente de um grande clube, deveria notar que futebol não se faz sem o outro. Reitero: com o Maracanã reaberto, o Engenhão será um grande elefante-branco, uma vez que a própria torcida alvinegra não tem simpatia por suas dependências. Mas quem disse que a torcida do Botafogo tem vez nesse caso? Assim o fosse, os preços dos ingressos de domingo passado não teriam sido grosseiramente dobrados de valor – porque a água continuou enferrujada, os placares apagados e a areia no gramado continuou firme.

Quem sabe, com o Engenhão vazio e nem Fluminense e Flamengo atuando nele, Maurício Assumpção se sinta mais feliz e satisfeito? O Vasco só vai lá nos clássicos ou quando o campeonato estadual lhe impõe isso. No mais, neste caso o presidente alvinegro foi apenas um neoboquirroto aplaudido pela mediocridade vigente.

Resta apenas saber quem vai ocupar as arquibancadas e apagar o “mar azul”.

Paulo-Roberto Andel

@pauloandel

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